Amor

O casal com pouco mais de 17 anos passa pela rua parcialmente iluminada por postes alaranjados e enérgicos faróis sem notar ninguém. A morena anda pelo lado esquerdo da calçada sentido Centro, no Pátio Santa Cruz, na pequena e paulista Capivari. Magra, alta e com poucas curvas – as quais talvez apareçam com o tempo –, segue de mãos dadas com a loira, uns dedos mais baixa e gordinha.

As adolescentes são completamente distintas entre si. A morena, de pele quase negra, tem cabelo de menino, crespo, que dá o toque masculino atrelado ao jeans escuro e à camiseta amarela básica. O agasalho branco, porém, segue rebolando sem vergonha na cintura. A loira exibe mechas longas de comercial de shampoo, blusinha e tênis brancos e um quadril largo, realçado pela calça preta de ginástica.

Soltam as mãos e aguardam o sinal dos carros fechar sentido bairro. Enquanto a loira ajeita a calça na cintura, o All Star pink da outra chama a atenção. O semblante de ambas é alegre, despreocupado. Desconectado do mundo. Atravessam a rua pela faixa de pedestre de mãos dadas novamente. Já na calçada mais distante, esticam os braços de modo que a loira encosta levemente o ombro direito na parede da casa de esquina, lilás, e a morena quase tromba na lixeira torta da residência, que repousa com duas sacolas plásticas cheias de alguma coisa descartável – poderia ser o lixo da pia do último almoço.

Riem. A loira, então, balança a cabeça, fazendo charme com o cabelo cor de mel, aparentemente tingido. Riem de novo. Quase dançam. A morena rebola um pouco mais. Estão fazendo graça uma para a outra. Ninguém pode ser visto ou ouvido do universo delas. Na sequência, a loira puxa a morena para mais perto, passando o braço esquerdo por trás do ombro da amante. Por querer, deixa que o membro escorregue até o fim das costas estreitas.

O casal segue se fitando sorridente entre uma gargalhada e outra. Simultaneamente, o amor puro e singelo, café com leite, vai iluminando o caminho escuro daquela noite de quarta-feira, até se perder de vista na curva das reflexões, como aquelas cenas que se fazem necessárias, vez ou outra, para lembrar o expectador do dom da vida, da importância de ser quem se é nesse mundo de gregos e troianos. Porque, no fim das contas, os opostos sempre se atraem.

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Exercício de metáfora produzido para o curso de pós-graduação em Jornalismo Literário na EPL, em 11 de abril de 2015.

2 comentários

  1. Ubiratan disse:

    Parabéns! Lindo texto. Expressa um olhar puro e verdadeiro, sem preconceitos, da relação entre duas pessoas pessoas, independente do sexo. Coisa que parece meio difícil nos dias atuais!

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